curious about: "SUSHI OR NOT SUSHI"

Há alguns meses, enquanto vasculhava as estantes da Saraiva, encontrei uma revista que ainda não conhecia (ich!! difícil... rsrs). A fww Mag! é editada pelo Paulo Borges e pelo pessoal da São Paulo Fashion Week. Eles juntam uma série de colaboradores e escolhem uma grande capital do mundo pra ser tema da revista, que é bimensal.

Essa que me chamou atenção (amor a primeira vista!!) é sobre Tokio e, além da edição de arte maravilhosa, têm artigos nada óbvios. Entre eles esse escrito pelo ator Carlos Takeshi:





S u s h i O r N o t S u s h i

Por Carlos Takeshi. Na revista ffw Mag! número 09, 2008.


"Ser um ator oriental no Brasil é foda. A participação de descendentes de japoneses na televisão e teatro continua insignificante. Alguns vencem o 'bloqueio', mas quase sempre repetindo uma visão restritiva e folclórica, em que os clichês dificulta a aceitação dos japoneses como parte da louca mestiçagem brasileira"


O Movimento Antropofágico apregoou a síntese e transgressão das influências culturais. Eu não conheço povo mais assimilador de culturas que o japonês. Devorar as culturas nternacionais, fundir tudo e regurgitar para o mundo com selo próprio é o cotidiano do Japão. Alguns ingredientes chineses, um molho soviético, muitos temperos do Ocidente e cria-se um banquete que é oferecido com aval de modernidade. Isso vale para a arte, a tecnologia, a economia etc. Eles são bons nisso. Capricham na cópia melhorada e também na criação. Incorporam as influências de tal forma que o mundo acredita que tudo nasceu lá. Artistas multinacionais buscam inspiração na moda e nas artes gráficas. Pense me minimalismo e você imagina um ambiente tradicional japonês. O boom econômico que surpreendeu o mundo há algumas décadas aconteceu em grande parte devido às novas tecnologias.Mas eu diria que o grande diferencial foi o modo de gestão em que todos se dedicavam às empresas como samurais. O espírito coletivo sobrepujando o indivíduo era muito forte e foi fundamental.


Mas eu quero mesmo é discutir a presença nipônica no Brasil. Este ano os japoneses comemoram 100 anos de samba-suor-e-cerveja nas terras de Ceci e Peri. O que me fez pensar na máxima de Oswald de Andrade: "Tupi or not Tupi".


Quem são os niseis, sanseis e não-seis que você conhece? Me adianto na piada que todo japonês ouviu milhões de vezes. Tenho quase certeza de que você pensou nela. Pois eu afirmo que existe uma verdade nessa brincadeira. Diria até que eu pertenci ao grupo do não-sei por um bom tempo e, às vezes, acho que ainda nã consigo sair completamente.


CONFESSIONS ON A DANCE FLOOR


Gostaria de me sentir completamente brasileiro, mas nem sempre é possível saber se os outros me aceitam assim. Claro que a aparência deixa óbvia nossa ascendência. É como chamar um negro de negrinho ou um louro de galego, mas com uma diferença fundamental. Ninguém pergunta a um negro se ele nasceu no Brasil, já faz parte da identidade nacional. Os "de olhos puxados", ao contrário, são freqüentemente questionados sobre sua origem. Alguns nem perguntam de onde você veio, mas quando. Portanto, quando alguém diz: "Ô japonês", dá vontade de responder: Japonês é a vovozinha. Sou brasiiileeeeeeerô... com muito orguuuulhôôô.


Num jogo entre Brasil e Japão visto a camisa verde-amarela e não tenho a menor vergonha de xingar meus honoráveis ancestrais. Então qual é a causa dessa demora em assimilar totalmente os orientais como parte da mestiçagem brasileira? O número de casamentos mistos é cada vez maior. Será que somos tão diferentes assim?


NÃO SOMOS O AVESSO DO AVESSO DO AVESSO


Eu conheço japonês burro, japonês maluco, japonês macumbeiro, japonês preguiçoso, japonês jogador de futebol, só para quebrar alguns dos estereótipos mais usados. E não diria que são exceções. Somos brasileiros como qualquer outro.


Este ano teve até escola de samba enchendo a avenida de bambus, cerejeiras e demais adereços clichês. Mas "tem japonês no samba" continua sendo sinônimo de samba ruim. Até quando?


A idéia de colocar em todos os nikkeis (pessoa de origem japonesa) essa imagem fechada de comportamento e cultura é tão falsa com o desfile da escola de samba. Remete ao que pode ser um japonês, mas nenhum é absolutamente assim. Guardar traços da cultura de origem é salutar, mas a evolução acontece no movimento, na transformação. Quando um negro veste roupas africanas, eu acho lindo e nem penso em questionar se ele é brasileiro. Mas no dia-a-dia as roupas usadas são absolutamente comuns. E é assim que aparece nas novelas, por exemplo. Já com os japoneses...


Praticamente em todas as novelas e especiais em que atuei, em algum momento, surgiam tatames, quimonos, lanternas de papel e sushi. Sem falar do risível sotaque e nos "erros" dos diálogos. Bom, nunca vi ninguém andando de quimono aqui no Brasil nem freqüento nenhuma casa com tatames. Como sushi, mas meu cardápio visita mais a feijoada, a moqueca e a rabada acompanhada de caipirinha. Sushi-bar é mais cenário de surfista que de japonês, acreditem. Minha trilha sonora deveria ser bossa nova.



Entendo que a participação de orientais nas telas é pequena por alguns motivos. Foi mais fácil para os primeiros imigrantes artistas abrir espaço sem o auxílio do idioma. Nas artes plásticas temos vários expoentes. Na música instrumental, idem. Na literatura a coisa complica. Meu avô escreveu muito e a vida toda, mas para um público restrito aos japoneses.


Nas artes cênicas só na década de 1970 é que começaram a aparecer uns poucos ousados. Diria que até hoje é uma tremenda audácia pela dificuldade de sobrevivência: se é difícil para todos, imagina para quem tem uma aparência marcante. Não reclamo da vida, como pode até parecer. Penso que dentro dessa atmosfera profissional sou um cara privilegiado. O que gostaria é que n Centenário da Imigração meu povo recebesse o maior presente que este país que tudo dá pode oferecer a todos: a certeza absoluta de que também somos brasileiros, e essa é a nossa pátria amada. Minha língua é minha pátria. Portanto vou rscunhar uma cena em que eu gostaria de me ver retratado. Como realmente somos.


PARA AUTORES, CENÓGRAFOS E DIRETORES DE ARTE


A profissão pode ser qualquer uma. Comerciante, agricultor, bandido, médico. Existem muitos médicos japoneses. Nunca vi um nas telas. É isso.


Profissão: médico. Legista está na moda. E ajuda na trama.


Endereço? O mais comum seria São Paulo, mas no Paraná também é normal. Que tal usar sotaques diferentes? Seria surpreendente e real. Existe uma comunidade grande em Belém e outra interessante no interior da Bahia. Imagina uma festa com sushi, acarajá ou tacacá. Essa cena eu vivi num Caso Verdade, na Rede Globo. Pode ser gaúcho, mineiro ou carioca. A pessoa tem o sotaque de onde vive. Pode ser até estrangeiro. Se eu venho da Alemanha, falo alemão. Um japonês alemão talvez seja ousadia demais. Vão achar que é metáfora do eixo na Segunda Guerra. Melhor começar mais leve. Um sotaque caipira.


OUTRO ENDEREÇO: PIRACICABA. EU MOREI LÁ.


Dois casamento seriam legais. Uma ex provocaria bons conflitos. E teríamos filhos diferentes.De preferência inter-raciais. Minha irmã é casada com um negro, portanto, podem ousar. Nesse quesito qualquer maneira de amor valerá. Vale uma sambista, uma loura e até uma japonesa - desde que seja bem louca. Que tal uma artista plástica? É comum japonês casado com mulher que manda nele. Essa história de mulher submissa é outra lenda. Os filhos podem curtir festivais de anime - essas reuniões em que todos se vestem como personagens de seriados e mangás.



A casa poderia ser comum.Teria um ou outro objeto oriental, sem exageros. Sem divisórias de papel-arroz. Uma decoração com o regionalismo brasileiro daria sensação maior de integração cultural. Nas festas até rola comida japonesa, mas o trivial diário é o de qualquer um: salada, macarrão, bife, feijão com arroz. A bebida está mais para uísque e cerveja, os preferidos. O que mais se ouve por lá é biiru kudassai (me dá uma cerveja). Saquê acontece às vezes. Se houver restaurantes japoneses, provavelmente deve ter sushiman cearense, a grande maioria na arte de amassar arroz no Brasil. Pode rolar cena de cozinha, conheço muito japonês que gosta de cozinhar.


Os karaokes, embora um hábito comum, poderiam ser substituídos por carteados, também muito difundidos. Nos esportes, rolaria de tudo, sem precisar se restringir às artes marciais. Eu mesmo passei por diversas modalidades, até capoeira. Não seria interessante?
Resumindo: nosso personagem é um nisei que foi casado com uma japonesa em Piracicaba e tem uma filha desse casamento. Depois que sua esposa o trocou por um italiano, conheceu uma mulata em um candomblé em Salvador, enquanto fazia trabalho voluntário como médico na Bahia. Desse casamento tem outro filho, nascido no Rio de Janeiro, onde o casal mora atualmente. Ele tem sotaque de Piracicaba, ela de Salvador e o filho, carioquérrimo, tem parafina correndo nas veias. Continua seu trabalho social, agora nas favelas onde o filho se abastece de baseado. Como médico-legista acaba vivendo uma tragédia familiar numa das loucuras do filho. Sua esposa pede a ajuda dos orixás e ele o apoio da polícia. A ex quer retomar o casamento depois de flagrar o novo marido italiano em várias traições, mas a essa altura o nisei definitivamente prefere pimenta vermelha a wasabi.


Se essa trama parece inverossímil, eu posso garantir que é mais real que qualquer família nipônica mostrada até agora na televisão. A participação dos orientais nas obras de ficção é tão pequena e, no entanto, sempre se repete a mesma visão restrita e folclórica. Chega de japonês bobalhão, chega de comerciais e piadinhas que comparam o preço reduzido com o tamanho de você sabe o quê. Tamanho do pau também é outro mito preconceituoso. Melhor comparar a qualidade dos produtos com a enorme contribuição que os orientais dão ao Brasil.
E na próxima vez que aparecer um japonês na televisão espero que ele seja tão brasileiro quanto eu. Os orientais não ficam fazendo campanha para serem retratados nas telas nem são de ficar mandando cartas às emissoras de televisão. Mas garanto que a audiência oriental vai subir em velocidade de trem-bala. Ate as telas. Banzai e saravá"!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As gêmeas viajam: 4 dias em Recife

curious about: FUI TIRAR UM BICHO DO MEU OUVIDO E QUISERAM ME DAR UM NARIZ NOVO

curious about: DOTES CULINÁRIOS