curious about: JUM NAKAO


"LJ/GP - Você ainda tem dúvidas na sua carreira?
Jum Nakao -
Sou cheio de dúvidas, nunca sei o que fazer. Estou fazendo o presente. Santo Agostinho já dizia estar errado falar de presente, passado e futuro. O mais correto, segundo ele, seria falar em passado presente, presente presente, futuro presente. A única coisa que existe é o presente. É o agora. Não tenho certeza nenhuma. Mas eu sei que vai dar certo".


Semanas atrás, durante o Paraná Business Collection, o designer de moda Jum Nakao concedeu uma entrevista publicada no suplemento Viver Bem do jornal Gazeta do Povo (07 de setembro de 2008, páginas 6 e 7). Achei a entrevista muito legal e queria ter colocado aqui faz tempo. Acho que muito da reflexão que ele desenvolve transcende o "mundo da moda" e pode ser extrapolado para outras áreas da produção e do conhecimento.





Para quem não sabe, Jum Nakao é mais conhecido por ter realizado um desfile em que todas as roupas eram de papel e foram rasgadas ao final do desfile. Selecionei algumas imagens das criações dele. Mais no site: http://www.jumnakao.com.br/index.html.





Aqui destaquei alguns trechos:

Larissa Jedyn/Gazeta do Povo - O Brasil tem cultura de moda?
Jum Nakao
- A cultura de moda nunca foi semeada aqui. Não se pode chamar de cultura seguir referências ipsis literis. Isso é reprodução. É muito difícil, por exemplo, pegar um aluno de moda e pedir para que ele mostre alguma coisa realmente original. Eles conhecem as técnicas da reprodução e da subcultura. Isso precisa ser revertido. O que é possível com educação e cultura e, quando isso acontecer, as pessoas não vão mais querer ser sombras de corpos que não são os delas. Essa situação de hoje é horrível, é não ter existência, é a insignificância máxima. Você se torna um consumidor de valores e cultura dos outros.



LJ/GP - Qual é o seu papel nesta mudança?
JN -
Meu trabalho é formar pessoas, não para o mercado, mas para criar um outro mercado. É como se eu tivesse que formar médicos. Não os formaria para receitar coisas, porque preciso de médicos que descubram coisas, salvem pessoas.
LJ/GP - Quais os desafios para que isso ocorra?
JN -
Hoje não existe cultura, não existe memória, não existe ética. Olhe para o nosso segmento têxtil: ele está perdendo postos, as indústrias estão fechando. Para fazer reprodução por reprodução, há países mais rápidos, mais competitivos. Entre um produto original e uma réplica há um lapso de tempo quase que instantâneo. A nova dinâmica do mercado passou a priorizar a disseminação, o preço, a agilidade e, por isso, entende-se que, quanto mais tempo a reprodução do original leva para ser feita, menos ela vale. E, quanto mais rapidamente é feita, ela tem mais valor. Neste cenário, o Brasil não é o país mais ágil, nem mais rápido, nem mais barato. Isso faz com que as indústrias parem de contratar estilistas e virem tradings – passem a trazer produtos de fora. Hoje você vai a qualquer lugar e 50% do material é importado. Em São Paulo, este número chega a 80%, 90%. As indústrias de moda estão sumindo. Para que então a formação em moda se a indústria não precisa mais estilistas? Não há onde trabalhar.

(...)

Como pensar em moda? Temos um modelo que não nos obriga a ser inteligentes, tecnológicos, investigativos.
LJ/GP - Qual a solução para isso?
JN -
Hoje não se pensa em como melhorar o produto, mas em como ganhar mais. Só ganharemos mais quando detivermos patentes, capital intelectual. Itália, França, Japão, Estados Unidos são potências industriais, mas não vivem de indústria, porque são também potências tecnológicas e de conhecimento. Não adianta ser apenas o braço, o chão de fábrica. É preciso ser a cabeça. As pessoas têm de compreender que a revolução industrial foi no século passado. Hoje vivemos a revolução da tecnologia, do conhecimento, da inteligência.
(...)

LJ/GP -Você sente alguma restrição por ter vindo da moda?
JN -
Acho que tenho um perfil abrangente, caminho por outras áreas. Tenho um projeto com uma série de curadores, em São Paulo, que integra tudo isso: o “Quilômetro, Metro, Milímetro”, em que o quilômetro é a cidade; o metro é a roupa e os espaços; e o milímetro são os objetos, a pele dos vestidos. E quando eu insiro a moda neste contexto não estou falando só de roupa. A moda é o todo, é a cadeira onde você senta, a louça em que se come. Moda vem de modum, do modo de viver, dos espaços que você habita. Quando você percebe isso pode também perceber a cultura de um lugar.

(...)

LJ/GP - Como se dá o workshop como o que você ministrou durante o Paraná Business Collection?
JN -
No primeiro dia, “arranquei a pele” das pessoas. Como uma pessoa que trabalha com roupa, que é extensão do corpo, não compreende este corpo como algo que ocupa espaço? Elas foram cobertas por fitas adesivas para perceberem a volumetria, como construir e reconstruir esse corpo, tal como ele é no espaço, sem alterações ou cálculos. Aprenderam a transformar isso num molde industrial e a entender o que antes era uma curva intelegível corresponde a uma anca, a pence está ali por causa do peito. Muita gente diz que não modela, só desenha. Na minha opinião, quem só desenha não faz nada. A segunda descoberta foi ressignificar, desconstruir para elaborar um novo discurso. Eles levaram roupas para estabelecer diálogos entre memórias do pai de um com a mãe do outro, entre a alfaiataria e as roupas esportivas. Descobriram que podiam modelar e depois se deram conta de que precisavam saber o que queriam modelar. Precisavam de uma intenção. Vilanova Artigas (arquiteto, que nasceu em Curitiba e fez carreira em São Paulo), disse que o desenho é como escrever, é saber comunicar, mas necessita de um desígnio, uma intenção. No último dia eles costuraram essa história.


Entrevista com Jum Nakao, designer de moda, realizada por LARISSA JEDYN (larissa@gazetadopovo.com.br) e publicada na Gazeta do Povo no Suplemento Viver Bem em 07 de setembro de 2008.

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