curious about: METEGOL E CRUEL

devaneando sobre dramaturgia, o gesto e a intenção no espetáculo

Resolvi escrever esse post depois de assistir a um espetáculo teatral – que me fez lembrar de outras peças que andei vendo por aí – e dois espetáculos de dança-teatro-circo no Festival de Curitiba.
Como pretendo apenas usar um aspecto do espetáculo teatral que assisti – sem me interessar por comentá-lo no todo – como exemplo para iniciar a discussão, não vou sequer identificá-lo. Os outros dois espetáculos mencionados são Metegol da Intrépida Trupe e Cruel da Cia de Dança Débora Colker.
A primeira coisa que pensei a respeito da peça de teatro foi “que espetáculo ruim”. Deveria ser um drama, mas parecia uma tragédia e me dava vontade de cair na risada a todo instante.
A princípio não haveria nada de muito errado com ele pois o texto era bom, os elementos cênicos utilizados embora não fossem originais tampouco comprometiam a montagem, as marcações de cena não eram inspiradas mas estavam longe de ser inadequadas. O problema principal ficou muito claro em poucos minutos: os atores e a direção dos mesmos em cena. Por alguma razão desconhecida eles insistiam em uma linha de interpretação difícil de categorizar (mas que deve pertencer a alguma misteriosa escola teatral visto a quantidade alarmante de espetáculos na qual aparece) e mais difícil ainda de aturar. Ainda pior do que estar sentada no meio da platéia, sem chances de fuga antes do final, foi constatar que estava com uma incomoda sensação de deja vu. Essa não foi a primeira montagem (sempre rezo para ter sido a última) na qual os atores se dedicavam a:
1. esfregar, tocar, apalpar e contorcer o próprio corpo para indicar alguma espécie inimaginável de sofrimento, medo, constrangimento;
2. passavam dessa intenção de dor para outra de deleite ou contentamento sem qualquer escala e independente de qualquer intenção sugerida pelo texto;
3. possuiam basicamente duas opções de expressão facial: rosto franzido e olhar concentrado no vazio ou sobrancelhas levantadas e sorriso debochado levemente inclinado;
4. expressavam qualquer coisa indefinível a partir destes “amplos” recursos acima citados.
5. entravam em parafuso ou apatia profunda quando tinham que ficar em cena sem texto ou, ainda pior, se movimentar em cena sem falas.
Confesso que senti pânico, muito medo de ter sido uma atriz assim em algum momento (aff! Acho até que me recordo de uma ocasião... ich, melhor deixar pra lá).
Está certo que uma coisa é estudar teoria teatral, aquela em que Brecht, Stanislavski e cia ressaltam questões fundamentais de intenção e gesto em cena; e outra bem diferente é colocar em prática essas noções. Talento e desempenho não são qualidades dependentes apenas do intelecto e da leitura. Porém, expressão e intenção são ferramentas essenciais quando alguém se propõem a subir em um palco.
Essa ineficiência (nem sei se este seria o termo mais adequado) na utilização de recursos tão básicos choca ainda mais quando você assiste a espetáculos que não seriam categorizados como “teatro” a princípio, mas que possuem qualidades dramáticas superiores ao espetáculo teatral mais tradicional. Em Metegol, espetáculo da Intrépida Trupe, temos uma série de bailarinos-atores-acrobátas que desenvolvem partituras sem falas. Quando a palavra surge em cena, ela é gravada e não dita pelos atores. A noção de personagem utilizada também não é tradicional: ora eles são juízes, ora a própria bola. O que chama atenção nos gestos e movimentação é a limpeza e intencionalidade de cada momento. Não há movimentos fora do lugar, todos compõem a coreografia proposta com precisão e destreza. Há uma clara noção de conjunto e de composição: atores se posicionam em relação à platéia, aos demais atores, ao espaço ocupado e ao próprio corpo. Me perguntei onde estaria isso na maioria das peças que eu assisto.
METEGOL

A seu turno, Cruel da Cia de Dança Débora Colker teria razões de sobra pra fazer alguns atores e diretores de teatro entrar em depressão e desistir da carreira. A dramaticidade e qualidade cênica do primeiro ato são impressionantes! Sendo um espetáculo de dança, sem falas, os bailarinos conseguem construir personagens verossímeis e distintos uns dos outros, não abandonando as intenções nas expressões faciais em momento algum, mesmo enquanto dançam entre facas em cima de uma mesa. Claro que estando o foco deslocado da palavra em cena e direcionado para o corpo, é evidente que os atores-bailarinos-acróbatas e coreógrafos-diretores não descuidarão deste aspecto. Mas o que chama atenção é que os dois espetáculos não se limitaram a uma exibição de virtuosismo ou de movimentos condizentes com a música e bem coordenados. A construção dramatúrgica dá estofo a tudo aquilo que é apresentado e representado em cena e causa um duplo impacto no espectador: através da beleza sutentada pela técnica e através do sentido sustentado pela dramaturgia. Isso faz com que a cena da jogada em camera lenta repetida e narrada pelos locutores esportivos em Metegol seja mais divertida e crítica, além de verdadeira, do que muitas outras em peças que comentam o ambiente futebolístico. É a mesma junção de beleza-técnica e sentido-dramaturgia que torna todo o movimento intitulado Família do primeiro ato de Cruel tão eloqüente. Nos dois espetáculos as imagens contruídas não impactam apenas pela beleza plástica mas também pela possibilidade de identificação com o que está sendo tratado. Algo que nem o melhor texto de teatro consegue realizar quando mal encenado ou mal interpretado.

Imagens do deslumbre que é CRUEL (site Viajandão - O Globo)

Por um instante, após assistir aos três espetáculos e já escrevendo este post, imaginei se seria mais feliz assistindo apenas espetáculos de dança. Mas logo me lembrei de um espetáculo de dança contemporânea que vi no final do ano retrasado... Nele os "bailarinos" cantavam, tocavam piano, intepretavam, recitavam poesias e o que mais você possa imaginar - nem sempre com bons resultados ou compondo algum sentido - , porém não executavam nem meia coreografia!
É. Seja no teatro, seja na dança, seja na mistura e confluência das diversas linguagens, só nos resta esperar que a dramaturgia e a técnica nos salve! hehe

Seleção de fotos MARAVILHOSA em slide show de Cruel: http://oglobo.globo.com/cultura/fotogaleria/2008/4938/default.asp.

Site da Intrépida Trupe: http://www.intrepidatrupe.com.br/.

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