curious about: LEITURA e FAHREINHEIT 451

O que
seria
da sua
vida se
você não
tivesse
o direito
de ler?
Leio muito, desde pequena. Leio de tudo um pouco. É claro que para esse "de tudo um pouco" também há excessões: evito auto ajuda e tenho uma certa predileção por ficção e biografias... além é claro de um vício declarado por revistas de moda.
Assim, acabei fazendo uma pós justamente em leitura (Leitura de Múltiplas Linguagens na PUC, recomendo!). Foi nesta pós que tive contato com dois livros bem especiais: Fahrenheit 451, de Ray Bradbury; e Entre o Cristal e a Chama, de Flávio Carneiro. O primeiro é bem famoso e conta sobre um cenário no qual os livros viraram ameaça, sendo exterminados por bombeiros, e a televisão e os calmantes têm papel crucial de manutenção da ordem social e "bem estar geral" (aff! será que dá pra chamar de ficção?). Foi levado ao cinema por François Trufaut (que adoro!), resultando em filme bastante elogiado. Confesso que tenho em dvd há mais de seis meses e não vi ainda (tipicamente "eu"!), acho que aproveitarei o feriado chuvoso... Bem, o segundo é um livro de pesquisa, um estudo sobre a leitura na forma de "cadernos de leitura". Além de um prefácio muito bom sobre o tema em geral, há pequenos capítulos sobre livros e os leitores que eles ensejam. Em um desses capítulos, Flávio fala justamente sobre Fahrenheit. Resproduzo abaixo:
O leitor e a memória,
by Flávio Carneiro em "O Cristal E A Chama", EdUerj, Rio de Janeiro, 2001. Págs 114 e 115.
"O pacato Guy Montague, bombeiro, adorava seu trabalho. "Queimar era um prazer", dizia, certo de que desempenhava sua parte no processo de manutenção de uma comunidade evoluída, democrática, ordeira. Num mundo onde os livros eram proibidos, a função dos bombeiros estava bastante clara - descobrir as pessoas que guardavam livros em casa e depois queimá-los: livros, casa e, se necessário, pessoas também.
Uma noite, atendendo a uma denúncia anônima, Montag se depara com uma velha senhora que se recusa a abandonar a casa, preferindo morrer queimada com seus livros. Os bombeiros iniciam o incêndio e, durante a operação, um livro cai nas mãos de Montag. Ele não tem tempo de ler mais que uma linha, mas aquilo que lê fica tão marcado nele que é os suficiente para que o bombeiro, num gesto suicida, esconda o livro sob a jaqueta.
A partir daí, tudo muda. Vários episódios estranhos e arriscados irão cruzar sua vida, antes tão tranquila. A mulher o abandona e o denuncia à polícia, é perseguido pro noites a fio através de caminhos que nunca imaginou existirem, conhece um velho que o ajuda, e por fim vai parar num lugar quase deserto, às margens do rio e próximo à linha de trem, onde encontra, para sua salvação, um pequeno grupo que o acolhe.
Trata-se de uma comunidade de leitores. A partir daí, o romance de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, caminha para seu desfecho. Montag, ex-bombeiro a essa altura, reune-se ao grupo e é informado de que, apesar de serem todos leitores apaixonados - e por isso estão sempre fugindo de caçadores profissionais, mudando sempre de esconderijo -, não possuem sequer um livro. ao contrário, eles próprios queimam os livros que lêem:
Lemos os livros e os queimamos, para que não possam ser encontrados. Microfilmá-los não valeu a pena. Estávamos sempre viajando, não queríamos enterrar os filmes e voltar mais tarde. Sempre há a possibilidade de serem descobertos. (p.158)
Não podendo possuir um livro, cada indivíduo do grupo se responsabiliza por um romance, ou um tratado de filosofia, ou mesmo por toda a obra de um historiador. memorizam:
- Quero apresentá-lo a Jonathan Swift, o autor daquele contundente livro político, Viagens de Guliver! E este outro aqui é Charles Darwin, este é Schopenhauer, este é Einstein e este nosso camarada aqui a meu lado é albert Schwitzer, um filósofo dos mais amáveis. E aqui estamos todos, Montag. Aristófanes, Gandhi, Buda, Confúcio e Thomas Love Peacock, Thomas Jefferson e Lincoln. Somos também Mateus, Marcos, Lucas e João. (p. 158)
Mais adiante, o mesmo personagem que diz isso, Granger, dirá: "O melhor é guardar os livros na cabeça, onde ninguém pode vê-los ou suspeitar deles. Todos nós somos pedaços da história, da literatura e do direito internacional" (p. 158).
Granger, aliás, é também conhecido como A República, de Platão.
Granger explica a Montag que todos temos memórias fotográficas mas passamos a vida inteira aprendendo a bloquear nossas lembranças. O grupo de marginais liderados por Granger, no entanto, desenvolveu uma técnica que lhes permite fazer da memória o único instrumento de sobrevivência. Eles sabem lembrar, e por isso continuam vivos. "Por fora, vagabundos; por dentro,bibliotecas" (p. 159) - assim se autodefinem esses leitores, para quem livro e corpo se confundem num mundo onde a ordem é queimar memórias.
Com sofrimento, com vergonha, com medo, e também, pela primeira vez na vida, com a sensação de liberdade, Montag descobre que ler é lembrar".

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